quarta-feira, novembro 24, 2010

Apenas um ébrio

E tinha um vida que se podia chamar feliz. Joelhos marcados de um infância inesquecível, e o sorriso tão puro que ele jamais esquecera. Vindo de uma família estável, educado e moldado para um futuro brilhante. Adolescência, período turbulento de sonhos e concepções evanescentes, algumas noites que se tornaram inesquecíveis por não lembrar de nada, alcoól, sexo, paixões intensas e amores eternos como uma chama… Tudo cooptava para um adulto resolvido, não arrependido, enfim… feliz. Do passado não trazia arrependimentos, do presente simplesmente vivia, do futuro… fazia a punho e aço… pelo menos era o que acreditava.
Talvez obviamente,  um sorriso lindo, num bar do centro, depois do trabalho, tomou seu coração, se tornou seu coração… era linda, e o brilho da lâmpada incandescente parecia o sol nos olhos dela. Paixão a primeira vista. Labutando, notaram que se combinavam seringa e heroína ( comparação infame? talvez fosse… se a narração acabasse aqui seguida de um “felizes para sempre”). Enfim era um amor tão lindo, media-se o sentimento por cada cena de brincadeiras entre eles, parecia que pureza imbúbere lhes havia tomado, “só entende quem namora”. Casaram-se e foi a união mais perfeita, linda, eternos namorados, eternos enamorados, eternos amantes, eternos sonhadores, eternos, ainda, como a chama da vela, lembre-se.
Uma tarde ensolarada, quente até, mas a notícia de um fruto do amor que plantaram dois anos atrás lhe tomaram os sentidos… Quando acordou no hospital, muita gente sorrindo, ele ainda achando um sonho: eram perfeição demais pra simplória compreensão humana, era divino… e naquele feixe de luz branca da emergência, ele se deu conta que ia ser pai, e quebrando a luz na água e sal, sentiu Deus. 9 meses e uma menina linda… uma flor, um anjo. Tinha a pureza da santa do sorriso que inebriava seu progenitor abestalhado. Era, agora, uma família, prefeita e feliz.
Mais um dia de trabalho, mas esse fim de tarde tinha um que de calor, de vapor, de vermelho que não trazia paz. Um saudade infeliz tomou seu peito, chorou, sabe lá por que. Chorou, incontrolavelmente, ouvindo a música do primeiro beijo no barzinho, sentiu uma saudade se sua menina, de sua luz. Fora mais rápido pra casa que o normal, virando a esquina, fumaça, multidão… mas não… não poderia… por que? Era sua casa em chamas, era a sua… Desce do carro e quer correr pra lá, mas uma mão interrompe… era sua cunhada… o olho em carne viva, a cara amassada, olha atônito, tinha a profundeza do abismo sem fim no nego da pupila, vazia… Ele entendeu…
Olhou pra multidão… e sentiu só pela primeira vez, e essa solidão doía como chaga espinhada cravada lentamente em seu peito, chorava já não de tristeza, mas da dor.
Não se sabe o que foi dele. Não queria saber talvez. 3 anos, cinco meses e 3 horas depois, as pessoas distintas, infelizes, insignificantes, passam diante de um rosto vazio, de um sorriso que não sorri, apenas mais um ébrio, vagabundo, mendigo, câncer. Ele fala de Felicidade, Amor, ele te diz: Não perca tempo pensando como ser feliz, a felicidade não se compreende, se vive e às vezes se vai… Não procure alguém que seja o seu Amor, o Amor é você, dê-lo. Sorrisos irônicos de imbecis ecoam pelo ar: Que sabes tu, ébrio? Ele olha com ar de sábio, como o sorriso diabólico ironiza… Se vira e sai. Outras doses, outra calçada, descansa a cabeça no papelão frio e já não se dá o luxo de sonhar. Apenas olha pra cima: Deus, quem dera pudessem os homens enxergar além dos olhos. Quem dera nossos olhos mostrassem os recantos d’alma. Assim, talvez, os olhos de perdidos como eu fariam sentido além da visão do abismo.

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