sexta-feira, março 04, 2011

Cheiro de moringa nova, gosto de sua água,
apito de fábrica cortando as madrugadas irremediáveis.
Perfume de sumo de laranja no frio ácido das noites de junho.
Escalas de piano ouvidas ao sol desolado das ruas desertas.
Umas imagens puxam as outras e cada sucesso entregue assim
devolve tempo e espaço comprimidos e expande, em quem evoca essas dimensões,
revivescências povoadas do esquecimento pronto para renascer.
Porque esquecer é fenômeno ativo e intencional -
esquecer é capítulo da memória (assim como que o seu tombo)
e não sua função antagônica.
Na recordação voluntária não podemos forçar a mecânica com que as lembranças nos são dosadas.
Os fatos sumidos nos repentes, em vez de todos em cadeia, voltam de um em um.

(...)

Às vezes não adianta violentar e querer lembrar. Não vem.
A associação de idéias parece livre, solta,
mas há uma coação que a compele e que também nos defende.

(...)

Há assim uma memória involuntária que é total e simultânea.
Para recuperar o que ela dá, basta ter passado, sentindo a vida;
basta ter, como dizia Machado, "padecido no tempo".
A recordação provocada é antes gradual, construída,
pode vir na sua verdade ou falsificada pelas substituições cominadas, pela nossa censura.



(Pedro Nava - Baú de Ossos)



Nenhum comentário:

Postar um comentário