"Ela precisa ser uma falta. Um banco, um livro, um retrato. Uma música que relembre a melhor parte. Uma voz. Um sim distante. Qualquer coisa que dilate os vazios, que transborde nele qualquer coisa maior que ele. Ela precisa ser num eco. Sozinha. Sem nem estar presente. Precisa ser o barulho da porta, a lentidão das horas, uma mensagem que nunca chega, um texto inteiro cheio de erros e acertos. Uma confusão. Um único verbo. Verão no inverno. Um abraço que nem é mais presença, só saudade. Ela precisa ser a cama desarrumada, o beijo demorado, o arrepio na pele, a boca seca. Uma alegria. Um pensamento. Um sonho bom. Uma paz. Uma vida inteira. Precisa ser a metade fingindo completude. A palavra em silêncio. A alma desnuda. Um breve esquecimento - breve por que na vida, a gente só esquece mesmo, o que nunca foi. Ela precisa ser sozinha. Uma solidão pequena. Uma espera. Uma agonia diminuta querendo tomar o peito. O melhor canto, a melhor lida. Ela precisa ser ausência com lágrimas, mas não consegue. É uma leve dor nos lábios querendo virar sorriso. Só sabe ser o que sente. Inteira. Doída.
Desaprendeu de si."
(Priscila Rôde)
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